Algures no actual espaço e tempo Europeu está em construção uma nova Organização Comum do Mercado (OCM) Vitivinícola. Todos esperamos pela sua chegada efectiva em 2007.
Bom seria, que o projecto de texto final para substituição do “velhinho” Regulamento (CE) Nº1493/1999 fosse ainda apresentado e discutido, em plena presidência portuguesa do Conselho Europeu. Mais não seja pela potencial visibilidade do tema em terras Lusitanas, facto que poderia acrescentar algum “brainstroming nacional” à questão.
Desta vez, perante mais uma investida da União Europeia (UE) sobre a fileira do vinho, cabe-nos a nós, Portugueses, defendê-la racional e afincadamente, pois, a mesma é crucial para a nossa agricultura, indústria, secular na nossa existência e basilar na nossa economia. Logo, daqueles que têm, tiveram, ou pensam vir a ter rendimentos provenientes da vinha e do vinho, devem emergir sugestões e/ou análises críticas para aquilo que deve ser uma nova OCM Vitivinícola, em que os nossos reais e legítimos interesses não sejam mais uma vez subjugados aos tradicionais “tubarões da Europa” .
Contudo, enquanto se espera pela proposta integral de reforma, as linhas mestras vão sendo conhecidas através de declarações da comissária europeia da Agricultura, Mariann Fischer-Boel. É partindo destas intervenções que me permito tecer algumas considerações;
1-“Não podemos continuar a incentivar a produção de milhões de hectolitros que não se consomem, se não combatermos esse decréscimo de consumo vamos ter problemas”
Mariann Fischer-Boel Douro 09/2006
Ao produzir esta afirmação, a Comissária Europeia da Agricultura dá o mote para a necessidade da referida reforma. Porém, tal declaração embarca duas das vertentes do paradigma no sector, produção e comercialização. Apesar de interligadas, tem problemáticas diferentes, por isso, são dignas de ser analisadas separadamente.
Aceitando a produção excessiva como um problema na EU, então convinha dar sinais claros de não incentivo a práticas que anulam a vantagem comparativa de ter o melhor e mais bem adaptado potencial de produção. Assim, talvez fosse coerente e corajoso o fim da ajuda ao Enriquecimento, de forma progressiva, ou até mesmo de imediato. Acredito que com esta hipotética decisão se actuava em 4 frentes;
- Diminuição dos volumes produzidos (estímulo negativo em relação à prática e consequente desvalorização das vinhas de fraca qualidade para produção de vinho);
- Arranque de vinha (potencialmente substituível por outras de maior qualidade e que produzem menos quantidade);
- Indução ao melhoramento dos processos produtivos, reposicionamento estratégico de produtos e empresas no mercado, visando a optimização dos recursos naturais;
- Poupança de recursos humanos e financeiros, neste momento afectos aos controlos de execução (pela diminuição do recurso a esta prática enológica).
Juntamente com o fim da ajuda, simplesmente proibir a adição de sacarose como meio de enriquecimento. Devia ser um ponto de honra Português fazer desaparecer da nova OCM esta variante da prática. No vinho só, e sempre, produtos naturais da uva.
Por outro lado, quanto aos limites e condições para a prática do Enriquecimento (Ponto C, Anexo V do Regulamento (CE) Nº1493/1999), é possível restringi-los ainda mais. Isto se, a intenção de diminuir os volumes produzidos é verdadeira e realmente quer-se apostar na qualidade e aptidões naturais para a produção de vinho.
Estas decisões provavelmente iriam afectar todos os países, mas quem conhece o sector sabe que é óbvia. Na minha opinião o começo da reforma era nesta prática enológica. No enriquecimento a UE gasta muito dinheiro a premiar a falta de qualidade.
Estranha-me que a Comissária fale tanto em acabar com a ajuda à Destilação Voluntária –medida que em Portugal criou alguns maus hábitos na produção de vinho, é verdade, mas que servia um propósito e até era insuficiente, pois, pelas minhas contas, não produzimos álcool de “boca” suficiente para os nossos Vinhos Licorosos-, e não dê uma palavra sobre Enriquecimento. Enfim prioridades que não se entendem.
2- A comissária Europeia garantiu ainda que o arranque de vinha prevista na reforma é “voluntária”.
Agro-portal/Agro Notícias, 09/2006
Cá está mais do mesmo. E a mais do mesmo deveríamos responder da seguinte forma; Não somos, nem queremos ser, mendigos vendidos por cêntimos, já aprendemos no passado, prémio ao arranque não é solução.
Concordo em absoluto em melhorar a qualidade do nosso potencial de produção, e até com o produzir menos vinho, mas nunca com ter menos disponibilidade para novas plantações.
Não é aceitável, nem lógico aceitar, um pedido de arranque definitivo, pois, todos sabem, até a Comissária, que a vinha é uma das poucas culturas para a qual temos condições favoráveis e a partir da qual podemos construir um sector super competitivo.
Por isso, se me é permitido diria o seguinte;
- Prémio para arranque em Portugal? Se fazem questão, sim! Pois ainda temos algumas vinhas de fraca qualidade. Mas nunca abdicaremos do “activo gerador de riqueza”, i.e., o direito de plantação;
- Este é nosso, propriedade da agricultura nacional (do estado), sempre disponível para um futuro que eu acredito que será de conquista de novos mercados e consumidores. É preciso é trabalho, formação, qualificação e coragem ao nível de recursos humanos;
- Mais, é aceitável pedir a redução da produção de vinho em Portugal, mas vendo alguns indicadores fornecidos pelo IVV nos seus anuários, é bastante questionável qual deve ser o nosso esforço para tal. Não será ao trio Espanha, França, Itália que se deverá pedir a fatia de esforço mais significativa?
Sinceramente, espero que quem ganha o seu ordenado para defender a agricultura Portuguesa em Bruxelas tenha feito o trabalho de casa, há muito por onde “pegar”, discutir, e reformar. A única condição de base é perceber do sector como um todo.
A propósito, perguntem à empresa agrícola Companhia das Lezírias o que está a fazer em relação às suas vinhas? Logo, terão a resposta dada pelo estado, a uma reforma que funcionários do estado (e não só) vão negociar em Bruxelas. Contra o lema “menos e melhor”, da Comissária, nós devemos responder com “melhor sim, mais ou menos, quem decide é o mercado e os seus “players”. Não abdicamos dos direitos de plantação, a UE, tal qual, a administração de cada estado membro é reguladora, logo, um árbitro, e árbitros não devem querer estabelecer o resultado final”
Nota Final
Muito mais havia para dizer sobre a OCM e seus aspectos relacionados, claramente necessitados de novas abordagens -Distribuição, Comercialização, Promoção e Fiscalização-. Por isso, mais contributos devem tornar-se públicos. Desta vez, governo, agentes económicos e sociedade civil devem unir-se e contribuir para uma nova OCM (seja ela em que moldes for) de acordo com os nossos interesses. Tendo sempre presente que cada pé de vinha gera emprego desde o campo até à mesa do restaurante.
Paulo Roxo
Engenheiro Agrónomo
Ligado ao sector Vitivinícola desde 2000